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DE REPENTE ME TORNEI UM IDOSO, MAS NEM POR ISSO…

Poleiro do Chantecler – Da série: Assim é a vida

(Parodiando um autor desconhecido e adaptando às minhas circunstâncias).

Meus amigos,

Acabo de completar mais um ano de vida. Já ando na casa dos 80. De uns tempos pra cá, começaram a surgir em mim alguns sintomas que, em princípio, deveriam causar-me alguma preocupação: mais cabelos brancos, mais pigmentação na pele das braços, músculos mais flácidos, mais rugas no rosto, menos ânimo pra praticar qualquer tipo de atividade esportiva, a barriga deixando de ser “tanquinho” e coisas do gênero. São os sintomas típicos da velhice que, devo admitir, já chegou.

Não entro em desespero por isso. A bem da verdade, à medida em que vou envelhecendo, vou me tornando menos crítico de mim mesmo e mais amável com aqueles que me cercam – amigos e parentes. Também já não dou muita importância à opinião dos outros a meu respeito. Na minha lista de amigos, acrescentei mais um: eu mesmo. E por ter me tornado meu amigo, estou mais tolerante para comigo mesmo e com minhas pequenas fraquezas. Não me censuro por comer uma boa feijoada, um torresmo, uma carne gordurosa de churrasco e uma boa sobremesa de doce. Isso, sem falar nas pinguinhas que tomo de vez em quando. Às vezes ouço críticas e alertas para eu tomar cuidado. Afinal, na minha idade… Tomar cuidado? Tomar cuidado com que?

Vi muitos amigos queridos, que se cuidavam, alguns até em demasia, deixarem esta vida cedo demais. Não tiveram o privilégio que tenho de viver a vida que estou vivendo. Uma vida de grande liberdade que só o envelhecimento traz.

Com o passar dos anos, tornei-me ateu confesso e convicto. Isso, dito assim, ofende as pessoas. Se eu me declarasse um vagabundo ou corrupto, mas temente a Deus, ofenderia menos. Mas, sou ateu, sim, mas um bom cristão.

Gosto da política, mas detesto os políticos. Principalmente os nossos – por quem nutro um profundo menosprezo. Todos eles.

Amores e paixões? Nunca fui um grande conquistador. Gostaria de ter sido, mas infelizmente nunca fui considerado um cara bonito, daqueles que, quando chegam numa festa, chamam a atenção das mulheres. E esta é uma de minhas grandes frustrações. Mas, mesmo não sendo bonito, tive lá alguns amores e paixões. Mas uns chegam até a me achar charmoso, as mulheres principalmente. Ouço isso de vez em quando – o que me envaidece sobremaneira.

Gosto de relembrar os amores que tive, às vezes chorar por um amor perdido. Tive, sim, algumas decepções amorosas que me fizeram sofrer. Atire a primeira pedra quem não as teve! Tenho até planos de escrever um romance que até já tem nome: “As mulheres que eu amei!” Com o subtítulo:” E que me amaram!” Não deverá ter muitos capítulos.

Não me lembro exatamente quando meus cabelos começaram a branquear. No início, tentei disfarçar, pintando-os. Custei a me dar conta do ridículo a que me expunha. De tanto ouvir críticas e de tanto ouvir que mulher gosta de homens com cabelos brancos – acabei me convencendo de que o melhor era deixar a natureza funcionar. Não me arrependi desta decisão. A verdade é que os anos passam e, na sua passagem, vão deixando marcas que não temos como evitar. Nem pretendo mais isso. Aliás, fiz um pacto com a natureza: nem eu vou fugir dela, nem ela vai me perseguir.

Tenho, claro, algumas rugas, não muitas para a minha idade. Também não me lembro quando elas começaram a aparecer. Tal como meus cabelos brancos, as rugas me foram causadas pelos meus pais, pelas mulheres que passaram pela minha vida, pelas minhas filhas, pelos meus chefes, pelas pessoas que não gostavam de mim e nem eu delas e, certamente, pela Receita Federal. Mas, mais que tudo, elas são o resultado natural dos mais de 80 anos que já vivi.

Sem dúvida, minhas rugas mais bonitas são aquelas marcas de expressão que eu adquiri de tanto sorrir, muitas vezes quando o coração chorava. Tive muito mais sorrisos que lágrimas e ambos me fizeram ser a pessoa que sou agora.

Os médicos estão sempre me dizendo que, na minha idade, preciso de exercícios. Para agradá-los, digo que vou fazer, sim. Mas a verdade é não tenho estômago para fazer ginástica, nem pilates, nem caminhadas.

Hoje, a parte de meu corpo que mais merece minha atenção tem sido a cabeça. Tento todos os dias exercitá-la, mantê-la equilibrada, alimentá-la com novos conhecimentos, muita leitura, novos sonhos e novas alegrias. Mas, claro, já não faço planos e projetos para o futuro.

Sinto meu corpo decadente. Não gosto de subir escadas altas, muito menos descê-las. Nesta minha idade, já quase não atraio os olhares das mulheres que cruzam meu caminho. Mas felizmente sempre há alguém que me olha, que me enxerga. Quando isso acontece é porque certamente foi aluna minha. É a vida.

Eu sei que às vezes esqueço algumas coisas, que meu ouvido já não ouve tão bem. Mas, isso é até bom. Há muitas coisas que não valem a pena ser ouvidas.

Já não mais me questiono. Se dizem que sou teimoso, sinto-me no direito de ter minhas próprias convicções e opiniões, ainda que algumas pessoas julguem que eu estou errado. Quando eu era jovem, diziam que eu devia respeitar os mais velhos. Agora, já atingindo a velhice, ouço que tenho de respeitar os mais jovens. Minha geração está passando batida.

Sem falsa modéstia, quando me olho no espelho, eu gosto da pessoa que vejo ali. Sinto até um certo orgulho da pessoa que me tornei ao completar meus primeiros 80 e poucos anos. Sim, eu estou gostando de ser idoso. A idade me libertou de muitos preconceitos, de algumas vergonhas, do medo da opinião dos outros.

Sinto-me um privilegiado por estar levando a vida que levo na idade em que estou. Sou amado pela minha mulher e pelas minhas filhas e pelos meus três netos – razões maiores de minha existência – e querido por meus quatro ou cinco grandes amigos, amigos de verdade.

Já viajei por boa parte do mundo, mas quero viajar mais. Quero conhecer ainda novos lugares enquanto me resta disposição.

Embora não seja muito de beber, gosto de ir para um bar beber com meus amigos sempre que me dá vontade. Gosto de ouvir músicas dos anos 60 e 70 de quando eu era rapaz e aprontava umas e outras. Relembrar as poucas e boas farras de que participei. Deveria ter farreado mais. Gosto de jogar baralho e sinuca com meus amigos e, sobretudo, jogar com eles aquela agradável conversa fora, seja sobre a vida, sobre futebol, sobre política e sobre mulheres.

Então, ficamos acertados assim: já ultrapassei os 80 anos! A maioria deles bem vividos. Poucos, muito poucos, sofridos.

Acho que não tenho mais nada a dizer. Ah, e, meus amigos, não precisa se preocuparem comigo. Estou bem, muito bem. E, acreditem, é muito bom viver e curtir a velhice!

Muito obrigado!

Chantecler

BD, 24.01.25

Mozart Foschete

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