Poleiro do Chantecler – Coisas da vida
Meus caros, raros e fiéis leitores,
Recebi outro dia uma longa mensagem pelo zap onde o autor descrevia alguns sinais e situações que, se vividas por alguém, era indicação certa de que a pessoa era velho ou, pior ainda, era antiga. A lista era enorme e fui obrigado a admitir que eu vivi, conheci ou usei a maioria das coisas que dela constavam. Foi aí que percebi o quão antigo eu era. Sim, “no meu tempo” eu usei o sapato Vulcabrás, o conga e o Kichute. Sim, eu usei muito o perfume “Lancaster” e a brilhantina “Glostora”. E, quando eu tinha 17 anos, namorei um “broto” de 16 anos que me achava bonitinho e, como tal, me dizia que eu era um “pão”.
Já tive um Chevette e uma Brasília e já dirigi um Karmanghia. Já andei de Vemagueti, de Simca e de Gordini. E de Rural Willis, também, um carrão pra ir pra roça dos amigos. Andei de bonde em BH e até conheci o caminhão Fenemê e o Studbaker.
Lembro-me demais do Clodovil, dos programas na TV preto e branco do J. Silvestre, do Flávio Cavalcanti e do Chacrinha. Vi muitas vezes o Wilson Simonal e o Jair Rodrigues cantando naquela TV de 15 polegadas cuja imagem nunca ficava fixa. Já subi muito no telhado de casa para mexer na antena de TV.
Lia sempre as revistas “O Cruzeiro”, a ”Manchete” e “Seleções”. Frequentei muito as matinês do Cine Regina. Me entusiasmava com meus heróis preferidos: o Roy Rogers, o Flash Gordon, o Capitão América, o Daniel Boone. E o Randolf Scott. Não sei quantas vezes assisti o “Zorro e o Tonto”, o “Vigilante Rodoviário” e o “Rin-Tin-Tin”. Assisti pelo rádio a derrota do Brasil para ao Uruguai em 1950 na casa do Dr. Raul. Eu tinha 8 anos e chorei muito!
Assisti de cabo a rabo as novelas “Selva de Pedra, “O Bem Amado” e “Gabriela”- as únicas que assisti. Assisti todos os festivais da MPB da Record onde se revelaram Tom Zé, Chico Buarque, os Mutantes, Geraldo Vandré e até Elis Regina. Adorava a Jovem Guarda.
Eu vi ao vivo, mas não a cores, o primeiro homem pisando na Lua. Fiz muitas compras na Mesbla, na Bemoreira e na Sloper. Tomei Grapette, Crush, Cuba Libre e Hi-Fi. Cheirei muito lança-perfume nos bailes de carnaval do Batalhão e no Clube Bom Despacho.
E, quando menino, descia ladeira abaixo a Rua do Céu de trolei ou carrinho de rolimã, e gritando “se cair do chão não passa”! Joguei com bola de capotão, bola de meia e até de bexiga ali na Praça São José e não foi uma nem duas vezes que destampei a unha do dedão, quando não “destroncava” o pé. Bom para machucados assim era o “mercúriocromo” que, depois, foi substituído pelo Merthiolate. Como ardia!
E ainda havia os circos e parques de diversão que vinham de fora e eram armados na Praça São José. Dinheiro a gente não tinha e era excitante e desafiador passar por debaixo do pano para entrar no circo. Bom demais.
Tomei muito Biotônico Fontoura e Emulsão de Scott. E muito lombrigueiro também. Afora o neocid para matar os piolhos e as lêndias que a gente sempre pegava na escola. Fiz muita “barragem” na rua em época de chuva e era comum parar nossas brincadeiras na rua para uma boiada passar. Joguei jogo de botão, cambuí, finca e bolinha de gude e sempre dizia: “-Timborolô, não dou tudo e nada!” – seja lá o que isso queria dizer. Troquei na porta do Cine Regina muitos gibis e muitas figurinhas de álbuns dos jogadores da seleção.
Ouvi muito Teixeirinha e Waldick Soriano – que diziam que era cafona, mas eu não sabia o que significava “cafona. Cantei muito “Only Youuuuu…!” e “Unforgetable” do Nat King Cole.
Enfim, vivi tudo isso. A gente era pobre porque naquela época tudo no Brasil era pobre. Até os ricos tinham cara de pobre, quando não de fazendeiro-roceiro. Mas era uma vida muito boa, disso não tenho dúvida. Uma vida descompromissada, leve e solta.
Sim, foi muito bom viver nos anos 50, 60 e 70.