Poleiro do Chantecler – o ferrinho do dentista
Meu prezado Ministro,
Esta é a quarta carta que lhe escrevo. Como já disse nas cartas anteriores, eu poderia ter escrito mais porque com o senhor – me permita este tratamento um tanto informal – eu até sempre tenho um assunto para expor e discutir. Mas, confesso que meu retraimento se deve ao receio objetivo de ser retaliado pelos senhores, em “nome da nossa nova democracia” que os senhores do STF implantaram no Brasil. Embora eu seja um simples escrevinhador de uma cidadezinha do interior de Minas, a gente sempre tem medo de a polícia aparecer, assim meio que de repente, na nossa casa para uma “busca e apreensão” e levar tudo: telefone, computadores, passaportes, cartões de crédito, cartas, enfim tudo o que pode fornecer um pequeno indício de algo que possa me incriminar. Se eu fosse escrever para o ministro Alexandre de Moraes meu receio seria maior ainda, por razões óbvias. Embora eu imagine que, com o senhor, há menos perigo, amigos me alertam pra deixar de ser ingênuo. Dizem que os senhores 11 membros da nossa mais Alta Corte de Justiça pensam e agem de forma uníssona e solidária. Talvez eles tenham razão.
E por que resolvi escrever-lhe esta quarta carta? Tenho vários motivos. Mas, como acredito que o senhor não leu nenhuma de minhas cartas anteriores, deixe-me antes apresentar-me ao senhor: em 2012 eu era o Pró-Reitor de Graduação da Universidade Católica de Brasília e, nesta condição, eu presidi uma sessão de um Ciclo de Palestras da OAB-DF em que o senhor era o palestrante da noite. Naquela época V.Sa. ainda não era ministro do Supremo. Era um já renomado professor de Direito Constitucional da UFRJ e um conhecido advogado criminalista. Naquele noite, o tema de sua palestra foi “A Ética e o Direito”. Confesso que fiquei deveras encantado com sua eloquência e sua convicção ao falar de Ética. Saí da sua palestra com uma esperança renovada de que o Brasil não estava de todo perdido. Ainda existiam pessoas éticas importantes, como o senhor.
Pouco tempo depois dessa palestra, a então presidente Dilma o nomeou ministro do STF – o que me pareceu muito justo e merecido. No entanto, devo confessar-lhe que seu comportamento e atitudes como ministro têm deixado a desejar e contrariam muito aquela imagem de ético que sempre fiz do senhor. É bem verdade que, em 2016, numa sessão plenária do STF, V.Sa., um tanto nervoso e agressivo, andou discutindo com o ministro Gilmar Mendes, afirmando inclusive, em alto e bom som, que “ele era uma pessoa horrível”, querendo dizer “peçonhenta” , “anti-ética” e coisas tais. Ali, V.Sa. ainda estava me parecendo o professor daquela sua palestra sobre ética. Mas, isso, infelizmente, foi um episódio isolado. Depois disso, as notícias que recebo a seu respeito só servem para desaboná-lo e diminuir aquela imagem tão positiva que eu sempre tive do senhor. Não tenho como citá-las todas. Vou mencionar “en passant” algumas mais recentes. Isso quer dizer que não vou mais falar daquela insistência e a pressão do senhor do senhor e do ministro Xandão, em 2021, sobre os nossos parlamentares para que não levassem adiante a proposta do voto impresso acoplado à urna eletrônica. Nem sei porque os senhores fizeram isso. Afinal, o que ministros do STF têm a ver com isso, não é mesmo?
Também não vou mais ficar falando daquelas suas famosas e desastradas declarações do tipo: “-Eleição não se ganha. Se toma!”, “-Perdeu, mané!” e “-Nós derrotamos o bolsonarismo!” Eu até lhe perguntei na época: “-Nós, quem, cara pálida?”
Há outras passagens de V.Sa. que só o desabonam. Ultimamente, o senhor vem defendendo a tese de que o STF está “redefinindo a civilização brasileira, criando um novo modelo de sociedade democrática relativa.” Para tanto, segundo o senhor, “-O STF deixou de ser um departamento técnico da Administração Pública para se tornar um órgão político!” Como assim, ministro? Por acaso a Constituição Federal foi alterada, redefinindo o papel do STF? Ou se trata de uma nova visão sócio-política dos senhores do que deve ser um STF? E olhe que outros ministros colegas seus estão adotando a mesma filosofia. Esta semana mesmo aquele ministro comunista (como é mesmo o nome dele? Ah, Flávio Dino!) declarou em alto e bom som que essa nova postura do STF veio para ficar. Ou seja, o STF se tornou uma agremiação política e com isso perdeu a principal característica de um juiz: a imparcialidade. Os julgamentos do STF se tornaram julgamentos políticos e não mais se baseiam nas leis vigentes. Ou estou errado?
Outro dia, o senhor publicou um texto na imprensa contestando as críticas feitas pelo jornal Estadão, onde o senhor diz que tais críticas são injustas e afirmando que o STF é o mais transparente do mundo, o mais produtivo do universo, que o alegado exagero nos gastos remuneratórios do Poder Judiciário são todos feitos dentro da lei e coisas tais. O senhor não conseguia entender as razões de tantas críticas. Pois eu vou lhe dar alguns motivos que o senhor sabe muito bem mas finge desconhecer:
A que transparência o senhor se refere? O que o senhor me diz do famoso inquérito das “fakes news”que já perdura por 6 anos e não tem data para acabar? Infelizmente não disponho de espaço suficiente aqui para reavivar-lhe a memória de como nasceu este inquérito na época da presidência do ministro Dias Tóffoli e o que o motivou a determinar sua abertura.
E sabe mais porque o STF é tão hostilizado? O senhor sabia que o Supremo soltou da cadeia todos os grandes bandidos e corruptos confessos, muitos condenados a 30, 60 e a até 400 anos de prisão? Enquanto isso os senhores criaram uma narrativa do vandalismo do dia 08 de janeiro de 2023, transformando todos os vândalos e outros que, por azar, estavam por perto, em terroristas perigosos e golpistas inescrupulosos e cadeia neles, sem dó nem piedade. Apesar de suas fraquejadas ultimamente, o senhor é um homem culto, com uma mente cartesiana e, como tal, sabe perfeitamente que nenhum dos já condenados pelos senhores e daqueles que estão na fila para também serem condenados é terrorista e golpista. Não passavam de cidadãos ultradescontentes com a suposta fraude nas eleições de 2022. Eram, sim, uns baderneiros que não fizeram mais que um quebra-quebra geral, da mesma forma que o MST e os petistas fizeram em 2017 na Esplanada dos Ministérios, lembra-se? E se crime houve, eles não têm foro privilegiado e, como tal, deveriam estar sendo julgados pela justiça comum de 1ª Instância e não pelo STF. Não é assim que diz a nossa Constituição?
Outra coisa: o senhor vive afirmando que o Poder Judiciário não é responsável pelo déficit fiscal. Não é, não? Impressionam a todos as soberbas remunerações dos juízes, desembargadores, ministros do STJ e do STF. Todos, absolutamente todos, recebendo bem acima do teto. Claro, o senhor vai dizer que tudo é feito dentro da lei. Sim, dentro das leis que os senhores próprios criaram em benefício próprio. São os chamados “penduricalhos” que, por sorte dos senhores, estão inclusive isentos do imposto de renda. O senhor mesmo estabeleceu outro dia que os juízes ganhariam um dia de folga a cada três dias trabalhados, podendo, se quiserem, receber essa folga em dinheiro. Ou seja, eles ganharam um terço a mais dos seus salários. Ótimo, não? E mais: sabia que os gastos totais com o Judiciário brasileiro correspondem a quatro vezes a média mundial?
O senhor também afirmou num de seus discursos que o “-STF é o tribunal mais produtivo do mundo, tendo proferido mais de 114 mil decisões apenas em 2024”! Fiquei aqui pensando: excluindo todos os feriados, dias santos e férias , sobram aproximadamente uns 290 dias úteis no ano. Supondo que o STF tenha trabalhado incansavelmente todos esses dias, dá uma média equivalente a 380 decisões por dia. Como o STF é composto por 10 juízes. (Excluindo o seu presidente) isso dá uma média de 38 decisões judiciárias por dia por ministro. Será que dá tempo para o ministro ler e pensar todas esses processos? A melhor pergunta é: esses números que o senhor mencionou são verdadeiros? Ou são iguais àqueles que o Lula costuma inventar em seus discursos de improviso?
Bem, senhor ministro, tenho trocentas outras questões para tratar com V.Sa. mas, infelizmente, não disponho de espaço aqui. Antes, porém, de concluir, gostaria de informar-lhe que é por isso e por muitas outras decisões do STF que o povo em geral tomou uma certa birra dos senhores. É por isso que os senhores não podem viajar de avião, ou ir a um restaurante ou até mesmo andar na rua. Sempre serão vaiados, quando não escorraçados pelas pessoas que ali estiverem, sejam elas ricas, classe média ou pobres, pretos ou brancos e de qualquer gênero. Uma situação que não tem paralelo na história de nossa Suprema Corte.
Fique com o meu abraço e queira-me bem!
Chantecler.