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A IGREJA E O PUTEIRO

Poleiro do Chantecler – A vida como ela é

Meus caros, raros e fiéis leitores,

Vou dar um tempo à política pra falar um pouco de amenidades. Essa história quem me contou foi um conhecido num bar quando, depois de falar de política, de futebol e de mulher, o papo enveredou para a religião. Éramos cinco na mesa. Dois muito religiosos, católicos fervorosos, um evangélico praticante, um daqueles que se dizem católico não-praticante e um que se dizia ateu. Depois daquela discussão inicial sobre a improvável ou provável existência de Deus, e finalmente aceitando a hipótese de que Deus realmente existe, a conversa descambou para a possibilidade de haver milagre, quer dizer, se alguém, por exemplo, com problemas de saúde, é capaz de ser curado por Deus pelo poder das orações. Dos cinco ali somente os dois católicos fervorosos tinham plena convicção de que esse tipo de milagre ocorre com certeza. A discussão corria solta quando se aproximou do grupo um senhor conhecido do grupo que estava sentado numa mesa próxima ouvindo o nosso papo e disse:

-Me desculpem a interrupção, mas estou ouvindo a discussão dos senhores e vejo que está difícil para vocês chegarem a um consenso. Eu gostaria de contar um caso para vocês acontecido numa cidade relativamente pequena no norte de Minas – assim do tamanho de Bom Despacho – e que pode ajudá-los a chegar a alguma conclusão sobre esse assunto tão polêmico. Não vou dizer o nome da cidade, por razões óbvias. Vou direto ao fato:

Nessa tal cidade, construíram uma igreja evangélica que era muito frequentada pelos crentes. Os cultos eram às 2as., 4as., 6as. e sábados. Os de 6as. e sábados lotavam a igreja. E era muita oração e cantoria. O Pastor era bem falante e bem cantante e entusiasmava os fiéis.

Na mesma rua, um pouco mais abaixo, havia um pequeno bordel que, talvez devido à alta frequência da Igreja, foi se tornando mais e mais conhecido e sua dona decidiu ampliar suas instalações. Contratou umas putas mais novas de outras cidades vizinhas e, de repente, o seu movimento de fim de semana quase rivalizava com o da igreja evangélica. Mais interessante ainda, o puteiro passou a atrair alguns fiéis da igreja que, terminado o culto, não raras vezes davam um pulinho até o cabaré.

Incomodado com isso, o Pastor decidiu ir ao puteiro e conversou com a digníssima cafetina-mor e tentou convencê-la a mudar de endereço porque não ficava bem um bordel daqueles perto de uma igreja, quer dizer, perto da Casa do Senhor. O Pastor falou, falou e a cafetina só respondia não. Logo agora que ela começou a ganhar uns trocados, ora bolas! O Pastor chegou até a oferecer uma ajuda financeira para ela se mudar com seu puteiro. Mas a cafetina estava irredutível. A igreja incomodada que se mudasse!

O Pastor, então, resolveu procurar o Delegado e contou para ele a história e insistiu com ele para fechar o puteiro. Mas o Delegado foi firme e taxativo: infelizmente, não posso fazer nada pela sua igreja. O puteiro está legalizado e não cometeu crime nenhum. Sinto muito.

O Pastor voltou fulo da vida. Pensou, pensou e resolveu aproveitar o culto do próximo sábado – quando a igreja estaria lotada – para discutir a questão com os fieis e procurar uma solução. A solução encontrada foi: vamos a partir de agora, em todos os nossos cultos, reservar uma meia hora para elevar orações ao Senhor pedindo-lhe uma solução para o problema. Deixaram a cargo de Deus escolher qual a melhor solução: poderia ser convencer a cafetina a se mudar, ou o proprietário do prédio do puteiro a pedir o prédio de volta ou qualquer outra solução que fosse de seu agrado. E, a partir daí, fizeram orações e mais orações aos céus. E oravam e cantavam alto para melhor serem ouvidos pelo Senhor.

Passados uns 15 dias de orações e mais orações, eis que cai uma chuva forte na cidade, com relâmpagos e trovões e não é que dois raios caíram no puteiro, com o fogo alastrando por todo o edifício? Ao fim e ao cabo o puteiro estava completamente destruído.

Diante de tal acontecimento, a cafetina-mor e mais algumas de suas putas ingressaram na Justiça pedindo uma indenização vultosa à igreja – única responsável, com suas orações, pela destruição do puteiro. Convocada a se defender, a igreja, por seu Pastor e o advogado que este contratou, negou veementemente que tivessem culpa pelo acontecido. Juravam que suas orações não tinham aquele poder de destruição. Alegavam que, na verdade, suas orações eram inócuas e Deus não as atendeu por ter outras prioridades na frente. Mas as putas insistiam na sua versão: foram as orações dos fieis e do Pastor que fizeram os raios caírem sobre o puteiro.

E aí o Juiz de Direito que julgava o fato, comentou em sua sentença: “-Estou numa sinuca de bico. De um lado, eu tenho umas putas que acreditam piamente no poder das orações. Do outro lado, eu tenho um Pastor e seus fieis que negam qualquer poder de suas orações. E aí, o que que eu faço com tal contradição?”

O homem que nos contou este caso passou a pergunta para nós. Eu passo para vocês, meus caros, raros e fieis leitores. Afinal, quem tem razão nessa história?

Chantecler

Mozart Foschete

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